Nas últimas semanas, tenho apresentado e temos discutido, com todas as turmas da terceira série do ensino médio, dos períodos da manhã e da noite, como a ideia de cidadania se construiu desde a Antiguidade Clássica até os dias atuais.
Quarta-feira passada, na "dobradinha" matinal do 3ºB, quando falava sobre direitos políticos, expliquei que o surgimento dos partidos políticos se deveu ao reconhecimento de que as sociedades não são homogêneas.
Na nossa sociedade, em particular, alguns assuntos nos unem: combate ao desemprego, controle da inflação, melhoria das condições materiais de vida da população. Sobre outras questões, no entanto, a divergência é enorme e isso fica evidente mesmo se imaginássemos o 3ºB um país independente.
Com uma população inferior a 35 pessoas, em tese uma situação que favoreceria a construção de consensos, não chegaríamos a posições unânimes sobre questões polêmicas. Por exemplo, neste novo país, o aborto seria legalizado ou considerado crime? A maconha seria legalizada? A pena de morte seria aplicada? Seríamos tolerantes ou intolerantes com relação à chegada de imigrantes? Respeitaríamos ou não a propriedade privada?
Daí, portanto, a necessidade da criação de partidos e movimentos sociais com doutrinas políticas específicas e bem definidas. Caberia ao cidadão aproximar-se do grupo que defendesse posições similares as suas para lutar por aquilo que considerasse seus direitos.
Rapidamente, e por iniciativa própria, a turma se dividiu em duas partes, ilustrando bem o que eu havia falado: uma parte passou a defender com veemência e coerência a legalização do aborto, outra parte a defender com igual energia e eloquência que o aborto é um homicídio (portanto, um crime).
O link ao final desta postagem traz uma reportagem da Revista Superinteressante sobre a questão central para encaminhar este debate: "Afinal, quando começa a vida humana?".
Várias respostas são possíveis, tanto no campo científico, como no religioso, conforme vocês constatarão ao ler a reportagem.
Entre os cientistas, parece prevalecer aquilo que a reportagem chama de visão neurológica, aquela que considera a vida ser o oposto da morte. Como a morte humana, em países como Estados Unidos e Brasil, é decretada quando se verifica a ausência de ondas cerebrais, a vida humana, consequentemente, seria iniciada quando as atividades cerebrais se estabelecem pela primeira vez. Os cientistas estimam que isso aconteça entre a oitava e a vigésima semana de gestação. Portanto, nos países em que o aborto é legalizado, autoriza-se a sua realização normalmente em um ponto intermediário, até a 14ª-16ª semana de gestação. Até aí, não existiria um ser humano, mas um embrião. Sendo assim, retirá-lo não seria um homicídio.
No campo religioso, a ideia predominante, especialmente em um país majoritariamente cristão como o Brasil, é de que a vida humana começa quando o óvulo é fecundado pelo espermatozoide. O embrião, portanto, já seria um ser humano e removê-lo consistiria em um assassinato. Ademais, para esses religiosos, uma vez que a vida é dada por Deus, caberia apenas a Ele retirá-la.
Entretanto, mesmo entre os religiosos, há diferenças de interpretações. A igreja católica, ao longo da história, alternou momentos de condenação e de tolerância ao aborto. A partir do papado de Gregório 9º, iniciado em 1227, e até 1869, já no papado de Pio 9º, havia a determinação de que embrião que não estivesse completamente formado não poderia ser chamado de ser humano. Assim, o aborto praticado nessa fase não deveria ser classificado como homicídio.
Os muçulmanos, normalmente em nosso senso comum associados a posições ainda mais conservadoras, acreditam que a vida humana surge quando Alá sopra a alma dentro do feto, o que aconteceria 120 dias após a fecundação. Embora condenem o aborto, são tolerantes a ele quando a mulher ficou grávida em decorrência de um estupro.
Para os judeus, a vida começa a partir do 40º dia de gestação, quando eles acreditam que o feto adquire características humanas. Antes disso, o aborto não é considerado homicídio, no judaísmo.
Enfim, o debate é longo e a leitura a seguir, imperdível.
Em tempo: no Brasil, o aborto é legalizado em apenas três situações: quando a mulher engravidou em decorrência de um estupro, quando a gravidez coloca em risco a vida da mulher, quando já se constatou que o bebê nascerá com anencefalia, ou seja, sem cérebro (porque os bebês anencéfalos morrem poucos minutos ou horas depois do nascimento).
Boa leitura!
https://super.abril.com.br/ciencia/vida-o-primeiro-instante/